Fotografias da Freguesia de Cidadelhe

Nota prévia: a maior parte das fotografias foi retirada do mural "Cidadelhe"


Vista aérea do Povo de Cima e do Povo de Baixo

O Povo de Baixo


Fonte do Lugar (séc. XIV/XV)

Ainda que tenha uma inscrição com a data de 1818, a construção da fonte reporta aos séculos XIV ou XV.

Com a devida vénia, transcrevo parte da ficha do SIPA:

"O acesso à primitiva fonte de mergulho, transformada hoje em caixa de água, faz-se por degraus e é protegido por murete em cantaria de granito sem reboco. Tem acesso à cobertura exterior através de lanço de escadas que flanqueia imóvel de habitação. O conjunto é formado pela fonte de mergulho, pelo tanque que serve de bebedouro para animais e equipamento instalado para bombear água."

Esta fonte tem um aspecto curioso, já referido por Luiz Cardoso em 1751:

" É [a aldeia] tão falta de águas que uma fonte que tem para a parte do Sul, dentro do povo, se fecha de Verão com chave e se reparte a água judicialmente pelos moradores, conforme os gastos de cada um."

A referida data de 1818 diz respeito às obras de consolidação e alteração da cobertura.


Capela de S. Sebastião (1652)

 Edificada em 1652, a capela de S. Sebastião, implantada junto à entrada da povoação de Cidadelhe, é um pequeno templo de planta longitudinal, precedido por alpendre fechado com cobertura de madeira.  O portal principal, de moldura reta, é encimado por uma composição de pintura mural que representa o Calvário, tendo como fundo Jerusalém

in "Caminho de Salomão no Vale do Coa"

As Eiras têm de interessante a Ermida de São Sebastião, com alpendre, que protege uma pintura maneirista provincial representando o Calvário. Tem no seu interior um São Sebastião patusco, referido por Saramago, com seus enormes “abanos”, e que é uma composição menor de um santeiro de Castelo de Paiva (a senhora Rosário manda dizer ao senhor escritor que ficou desgostosa por este ter brincado com o santinho).

in "Viajando pelo Mundo"

“O tecto é composto por 20 caixotões em madeira de castanho, com cerca de 60X80 centímetros cada, com imagens do ciclo da vida da Virgem e passagens da vida de Cristo, das quais conseguimos identificar: Santa Ana e a Virgem Maria Menina; Anunciação; Visitação; Adoração dos Pastores, Adoração dos Reis Magos; Apresentação no Menino no Templo; Fuga para o Egipto; Cristo no Horto; Flagelação; Coroação de Espinhos; Caminho do Calvário; Deposição no Túmulo; Ressurreição; Ascensão; Deus Pai; Pentecostes, Assunção da Virgem e Coroação da Virgem.”

 (in Ficha do SIPA)

(as fotografias dos caixotões são da autoria do Engº Arménio Correia, sendo a sua divulgação devidamente autorizadas pelo autor. Obrg.)


Igreja matriz (século XVII)

UMA IGREJA COM MAIS DE 350 ANOS

 "Dedicada a Santo Amaro, a igreja matriz de Cidadelhe que hoje conhecemos é um parente setecentista de uma igreja da época anterior sobre a qual subsistem raras informações. Sabe-se que no início do século XVIII, o templo se encontrava anexo à vizinha igreja de Cidadelhe Azevo, situação que se manteve pelo menos nos anos seguintes (Costa, 1706, p. 271).

Mas a matriz de Cidadelhe é anterior, e os dados de 1646 que se encontram na sineira de apoio ao templo contribuem para fazer recuperar a sua construção, pelo menos, à primeira metade do século XVII.

Na verdade, a sua arquitetura chã está mais próxima desta cronologia seiscentista. 

Apenas a data de 1715 no estabelecimento do portal indica tratar-se de uma proteção, cujo escopo, todavia, deixa por esclarecer.

No interior é mais evidente esta remodelação da época barroca, com uma campanha de talha dourada bem presente nos retábulos colaterais e cuja talha se prolonga enquadrando toda a superfície do arco triunfal.

Todo este conjunto de talha foi, certamente, objeto de disciplinas posteriores que lhe conferiram a policromia que hoje apresenta.

O teto da nave, em caixotões, exibe um vasto conjunto de pintura de temática hagiográfica, com molduras pintadas em tons de branco e vermelho. Já os caixões da capela-mor são preenchidos por motivos de flores, sol e lua, de época bem mais recente.

Também na fachada principal, uma inscrição outra indica a intervenção ocorrida em 1934 e cujo alcance também se desconhece, mas que, para além dos marmoreados da nave, se presume ter sido essencialmente de conservação."

Rosário Carvalho / Direção-Geral do Património Cultural.

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Alguma cronologia:

1708 * A Igreja Paroquial era anexa à Igreja de Azevo

1715 * Reconstrução da Igreja Paroquial dando-lhe a feição atual

1751 *  A Paróquia está dentro do povoado e tem por orago Santo Amaro, que se venera no altar mor com o Santíssimo Sacramento;  tem mais dois, um de Nossa Senhora do Rosário, outro de Santa Luzia, em que está erecta uma Irmandade das Almas.

1758 * A Igreja Paroquial é referida como sendo do bispado de Lamego. O cura de Cidadelhe, registro de congrua, em dinheiro, a módica quantia de 2.600 réis. A que se acrescentam 130 alqueires de centeio, 32 alqueires de trigo e 2 almudes de vinho. E diz que se precisa de 20.000 a 30.000 réis para sua congrua


O pálio (1707) e a casa forte

O viandante que chegue a Cidadelhe pela primeira vez tenderá a estranhar ver no meio de um casario construído ao longo de séculos de acordo com a herança deixada pelos romanos, uma construção de betão armado, nua, praticamente sem janelas e com uma estreita porta de acesso ao seu interior.

Tal estranheza rapidamente será esvanecida e o visitante tenderá a comprender tão inusitada edificação quando conhecer a história que está por trás da sua construção.

Segundo conta a lenda em 1707 alguns agricultores de Cidadelhe terão oferecido à comunidade um magnífico dossel de veludo carmesim típico de Veneza, de mais de três metros, bordada a ouro, prata e seda para servir de pálio nas procissões da Páscoa e no Corpo de Deus .

(Pálio é uma espécie de cobertura em forma de rectângulo, sustentado por varas, para ser levado à mão e que serve para cobrir, como sinal de distinção e honra, nos cortejos e procissões solenes, a pessoa ou objeto que mais se pretende honrar, neste caso o Santíssimo Sacramento).

Tal oferta ficava no entanto vinculada a uma obrigatoriedade: o pálio apenas seria exposto publicamente naquelas datas e teria que ser guardado, em absoluto segredo, em casa das pessoas que o mordomo escolhesse ao longo do ano, sem que os seus nomes e localização fossem conhecidos da restante população. 

E assim foi cumprido durante mais de trezentos anos, sendo tal responsabilidade passada de pais para filhos, sem que alguma vez tenha havido notícia de qulquer anomalia.

Até que em 2018 foi entendido que, face ao reduzido número de habitantes da aldeia e ao enorme valor artístico do Pálio de Cidadelhe, havia que levar a cabo uma construção que pudesse albergar o maior tesouro da aldeia, em condições de segurança e que possibiltasse a todos os visitantes observar e fruir da beleza de artefacto que, apesar dos seus quase 320 anos de existência, mantém a mesma beleza da data da sua criação.

Curioso é o episódio ocorrido com José Saramago aquando do seu périplo pelo País. Tendo tido conhecimentos das características únicas de Cidadelhe, ali se dirigiu para também conhecer o Pálio. Para sua desilusão "o pálio (sabia-o já o viajante e teve a confirmação pela boca do seu companheiro) é a glória de Cidadelhe.  Ir a Cidadelhe e não ver o pálio é como ir a Roma e não ver o Papa.  O viajante [Saramago] já foi a Roma, não viu o Papa e não se importou com isso. Mas está a importar-se muito em Cidadelhe.  Porém o que não tem remédio, remediado está."

Felizmente, e numa segunda visita a Cidadelhe, Saramago teve a possibilidade de se maravilhar com o Pálio de Cidadelhe, conforme documento em anexo 


A Capela de Santa Bárbara


As alminhas (séc. XIX)

"As alminhas em Portugal, são oratórios de culto às almas do purgatório. São pequenos altares onde se para um momento para deixar uma oração e, por vezes, uma esmola pelas almas. É, também, frequente encontrar velas e lamparinas acesas, deixadas pelas pessoas que passam no local, ou mesmo outras ofertas como azeite ou flores". (Wikipedia)


Calvário (séc. XIX)

"Calvário de características populares, constituído por três cruzes latinas de hastes lisas, a central mais elevada, assentes sobre embasamento rectangular". (Direcção Geral do Património Cultural)


O Cruzeiro (1940)

Construção em 1940 dentro do programa das comemorações dos quatro centenários. Sobre o capitel estão aplicadas quatro placas de mármore com três cronogramas dos centenários - "1140", "1640" e "1940" - e a inscrição "Cidadelhe", gravados e preenchidos a preto. (Direcção Geral do Património Cultural)


O Castelo dos Mouros

"É um raro bosquete mediterrâneo; e ao baque dos meus passos, estou à espera de ver surgir por detrás de um “barroco” algum druida celta com a sua foice mágica. É uma miríade de detalhes sensoriais neste túnel de terreno. É também uma viagem solitária dentro de mim.  São pedras almofadadas, colunas romanas, lintéis, frisos, moinhos… e numa clareira tropeço e descubro a minha primeira gravura rupestre num granito fragmentado; um antropomorfo com o seu arco retesado e que poderá ser da Idade do Bronze ou do Ferro. Lembro aos leitores que nos encontramos no extremo sul do Parque Arqueológico do Vale do Côa, classificado como Património Mundial da UNESCO em Dezembro de 1998 e estou próximo das gravuras e pinturas rupestres da Faia que estão instaladas no fundo do rio." "O “Castelo dos Mouros” é um local transcendente e mágico, de grande riqueza arqueológica, paisagística e natural. É a entrada meridional do mais belo museu ao ar livre da Humanidade"

em "Viajando Pelo Mundo"


O Poio do Gato

"Eis o rio Côa abismal! Estou diante de um vale profundo encaixado que atinge os 250 metros a pique. O “rio mágico”, bramidor e enfurecido, peleja contra as escarpas graníticas ciclópicas. É um dos desfiladeiros mais impressionantes que vi (e saibam os leitores que sou um geólogo com alguma experiência). Penso, contemplo e não esqueço."

em "Viajando Pelo Mundo"


Pedras que falam

Desde tempos imemoriais que as pessoas da Cidade aprenderam a viver com os recursos que a terra ensinam ensinam dava e aproveitam tudo o que a Natureza lhes oferece.

Assim aconteceu com os seus ascendentes, que há milhares de anos atrás povoaram o Vale do Coa, deixando o testemunho da sua vivência registada para sempre nas pedras que ladeiam o rio e que hoje são consideradas como Património Material da Humanidade.

Este aproveitamento das pedras que se encontra por todo o lado, é perfeitamente visível, quer no tipo de construção das habitações (mantendo a tipologia herdada da ocupação dos romanos), quer nos pequenos objectos do dia a dia.

Com recurso, uma vez mais ao levantamento fotográfico do Engº Arménio Correia aqui deixo o testemunho de algumas formas de apreciar a pedra, que podem ser apreciadas numa visita que quiseram fazer a Cidadelhe.

 A começar pelo "Cidadão", passando pelo lintel de uma habitação (com gravuras cujo significado é desconhecido), pelas mesas e bancos que ladeavam a escola, pelos bebedouros para os animais, pelas sepulturas escavadas na rocha, até à forma de proteger as oliveiras dentro da aldeia.

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  •  Cidadão

"Outro mistério é o “Cidadão” de Cidadelhe, figura esculpida no arco do campanário, que foi em tempos alvo da cobiça entre o povo de baixo e o povo de cima. A figura do cidadão ora era levada para cima ora para baixo, até ficar no seu atual pois junto à igreja matriz e com uma inscrição que data do ano de 1646."

em  ""Caminho de Salomão no Vale do Côa"

  • As Padieiras

"Percorrendo o núcleo antigo são as padieiras insculpidas ou com baixos-relevos decorativos: de notar uma ave pousada sobre uma cabeça de anjo alada, entre dois animais de quatro patas, e outra com uma árvore cobrindo dois castelos, quiçá a torre de menagem e a torre da cadeia de Pinhel"

em  ""Caminho de Salomão no Vale do Côa"

 


Os "Barrocos" de Cidadelhe

Nos meus tempos de miúdo ouvia falar muito de Cidadelhe como sendo a terra dos "barrocos".

Mas foi só quando tive a oportunidade de passar uns dias de férias em casa dos meus Padrinhos de nascimento, é que me apercebi do que era um "barroco", tantos eles eram os que existiam dentro da própria aldeia como nas suas imediações.

Não tendo eu os dons de escrita de um Aquilino Ribeiro, que tão bem retratou as "fragas", que o mesmo é dizer dos "barrocos" da sua Beira Alta natal, deixo-vos com alguns exemplos (retirados do espólio fotográfico do Engº Arménio Correia), encimados por essa figura talhada em pedra e que os habitantes de Cidadelhe conhecem como a "Cabeça do Velho".


Paisagens de perder o fôlego


Tal como praticamente todas as aldeias do interior do Pais, também Cidadelhe mostra, a quem a visita, os sinais do desgaste causado pela emigração de grande parte dos seus habitantes.
Cidadelhe chegou a ter 376 habitantes recenseados em 1911. Em 1960 registava ainda 296. Mas em 1970 esse número havia baixado para 145. Ou seja, em apenas 10 anos esta aldeia perdeu 51% dos seus habitantes. Esse decréscimo tem-se mantido constante, tendo o último censo de 2021 registado apenas 30 habitantes residentes em Cidadelhe.
Também no que respeita à estrutura etária, Cidadelhe regista alterações significativas ao longo dos últimos 150 anos.
Em 1878, entre 370 hb. havia 190 jovens com menos de 25 anos e apenas 10 idosos com mais de 65 anos.
Em 2021, entre 30 habitantes havia 2 jovens com menos de 24 anos e 22 idosos com mais de 64 anos.
Este fenómeno, caracterizado pela desertificação e envelhecimento da população, atingiu praticamente todo o concelho de Pinhel, traduzindo-se no estado degradado de algumas habitações dentro das aldeias e levando, nalguns casos, ao seu total despovoamento, transformando-as em autênticas “aldeias fantasmas”.
Mas Cidadelhe é terra de gente rija.

Gente que está habituada a lutar contra uma Natureza esmagadora na sua contemplação mas parca nos frutos que oferece.
Gente que não desiste.
Gente que, apesar de tudo, considera que a sua terra tem futuro.
Gente que sabe que a sua aldeia alberga um incomum património histórico entre portas (de que aqui demos uma amostra ao longo das duas últimas semanas), que tem nas suas imediações a magnificência das suas paisagens, as gravuras rupestres do Vale do Côa (Património da Humanidade), a fauna da Reserva Natural da Faia Brava ou a visão das fragas do Côa no Miradouro da Faia, que, por si só, constituem uma fonte de atracção turística raramente encontrada no interior do País.
Gente que sabe que as ruínas das suas casas podem ser, por seu lado, uma fonte de história para os mais novos, dando a conhecer as condições em que os seus habitantes viviam há dezenas de anos atrás (e que ajudarão certamente a compreender as razões para a citada emigração).
Gente a que acresce a qualidade intrínseca a todo o beirão, que é a de saber receber bem quem nos visita por bem.
Daí que Cidadelhe se esteja a transformar, aos poucos e poucos, modernizando-se sem, no entanto, estragar a herança que lhe foi deixada pelos seus antepassados.
Edificações que vão sendo reconstruídas, procurando oferecer todo o conforto que hoje em dia os turistas requerem, mas sem perder o traço das antigas edificações, herança que lhe advém da passagem por aqui dos antigos romanos.
É também por acreditar que Cidadelhe tem futuro, que escolhi para encerrar esta agradável estadia (ainda que virtual) de duas semanas em Cidadelhe, algumas fotografias do arquivo deste mural (obrg. Engº Arménio Correia) referentes a algumas edificações do passado e do presente.

Marcas do passado

Esperança no futuro